Lives de Ciência

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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Semana Darwin 200 - II

Em geral gosto dos textos do jornalista Herton Escobar. Oquei, às vezes ele dá um certo exagero nas simplificações - mas quem nunca não erra a mão?

Na reportagem de ontem (dia 11), ele abriu com um clichê velho: "Se fulano estivesse vivo completaria hoje...". Além de clichê, é um tanto absurdo: "Se Charles Darwin estivesse vivo para comemorar seu aniversário de 200 anos, hoje, é provável que haveria protestos diante de sua casa". Tirante O Homem Bicentenário do conto de Azimov (e isso porque ele era um robô), as pessoas mais longevas vão pela casa dos 120 - alguns falam em 130 anos - (em geral são as mulheres que vivem mais).

Marcelo Leite foi um pouco mais irônico: "Charles Darwin completaria hoje 200 anos, não fosse pela seleção natural. Ela, afinal, é a maior responsável pelo barroco processo de desenvolvimento que leva os organismos complexos inexoravelmente à morte - conceito que não se aplica muito a bactérias e arqueobactérias, seres que se reproduzem gerando clones de si próprios, partilham identidades com a transferência horizontal de genes e podem ficar milênios em vida suspensa (no gelo, por exemplo)."

Bem, não posso deixar de recorrer à velha piada: P - o que Darwin estaria fazendo se estivesse vivo hoje? R - arranhando a tampa de seu caixão.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Semana Darwin 200

Ano Darwin, 200 anos do nascimento do naturalista inglês e 150 anos da publicação de "A Origem das Espécies".

Esta semana - dia 12 de feveiro - comemora-se o ducentésimo aniversário de Charles Darwin. Como esperado, muito material publicado na imprensa para comemorar a efeméride. De modo geral, estão bem apurados e procuram contextualizar o trabalho original de Darwin (alguns ainda se lembram de que Alfred Wallace também chegou de modo independente à concepção da evolução biológica por seleção natural).

Há, no entanto, algumas falhas mais ou menos recorrentes. Vamos analisar uma parte delas.

A revista Veja desta semana preparou uma reportagem especial para data. A Darwin o que é de Darwin... de Gabriela Carelli com reportagem de Leandro Narloch, Paula Neiva e Renata Moraes. Está boa e merece ser lida, mas comentarei apenas os trechos em que há um ou outro deslize na minha avaliação.

"A ciência não tem respostas para todas as perguntas. Não sabe, por exemplo, o que existia antes do Big Bang, que deu origem ao universo há 13,7 bilhões de anos. Nosso conhecimento só começa três minutos depois do evento, quando as leis da física passaram a existir."

Lembra muito bem que há coisas que as ciências ainda não conseguem responder (se é que um dia conseguirá). O que houve antes do Big Bang - se é que houve o antes - é algo, sim, ainda fora dos limites das ciências (embora haja alguns modelos). Porém, há erro ao dizer que, só depois dos três minutos "iniciais", tem-se noção do que deve ter ocorrido: vide, por exemplo, o já velhinho, mas ainda bastante acurado: "Os três primeiros minutos", do nobelista Steven Weinberg (em português, há uma edição da Gradiva de 2002, importada). O problema ocorre antes do tempo de Planck - cerca de 10-43 segundo.

"Uma década depois da publicação de seu livro seminal, o impacto das ideias de Darwin se multiplicaria por mil com o lançamento de A Descendência do Homem, obra em que mostra que o ser humano e os macacos divergiram de um mesmo ancestral, há 4 milhões de anos."

Aqui uma observação sem maior importância - o trecho dá a entender que no livro há a estimativa da data divergência. Essa idade só seria estimada muito depois. Naturalmente, na época de Darwin não se conheciam os elementos radioativos para se fazerem as datações absolutas dos estratos fossilíferos - A Ascendência do Homem é de 1871, a radioatividade seria descoberta por Becquerel em 1896. A melhor estimativa da idade do planeta era de algumas centenas de milhares de anos, feita pelo físico Lord Kelvin.

"O pescoço da girafa
Anterior a Darwin, o naturalista francês Lamarck elaborou a primeira teoria da evolução. Para ele, o pescoço da girafa teria esticado para colher folhas e frutos no alto das árvores. A seleção natural de Darwin explica melhor: em grandes períodos de seca, só os animais de pescoço mais longo conseguiam se alimentar, o que favoreceu a reprodução dos pescoçudos"

Devemos nos lembrar de que Darwin especificamente não se ateve à questão do pescoço da girafa. E atualmente há controvérsias em relação ao cenário evolutivo da origem do pescoço longo do animal. Esse trecho também perpetua o preconceito a respeito de Lamarck, um importantíssimo biólogo (e ele foi um dos primeiros a empregar o termo Biologia para designar a área do conhecimento a respeito dos seres vivos) - de fato, o mecanismo elaborado por Lamarck para explicar a evolução é, pelo que sabemos hoje, equivocado. Mas há muito mérito no cientista francês em haver elaborado um processo de explicação natural para a evolução. (É importante também salientar que a questão da lei do uso e desuso e herança de caracteres adquiridos é totalmente secundário às idéias de Lamarck sobre evolução, apesar dessas duas leis serem atualmente usadas para caracterizar algo que se chama lamarquismo.)

"Durante a viagem, Darwin fez as principais observações que o levariam a formular a teoria da evolução pela seleção natural. Grande parte delas teve como cenário as Ilhas Galápagos, no Oceano Pacífico. Lá, reparou que muitas das espécies eram semelhantes às que existiam no continente, mas apresentavam pequenas diferenças de uma ilha para outra. Chamaram sua atenção, principalmente, os tentilhões, pássaros cujo bico apresentava um formato em cada ilha, de acordo com o tipo de alimentação disponível."

O trecho dá a entender que Darwin concebeu a idéia da evolução por seleção natural nas próprias Galápagos. Na verdade, Darwin nem sequer havia notado a diversidade dos tentilhões entre as ilhas - achou que fossem todas iguais. Tanto é que não teve o cuidado de etiquetar as amostras por ilhas. A diversidade só ficou patente na volta, quando os espécimes foram preparados para a descrição pelo ornitólogo John Gould. Darwin teve que recorrer aos espécimes mais bem identificados das coleções feitas por seus companheiros de viagem: FitzRoy, Fuller e Covington.

"Mais recentemente, ao estudarem os mesmos tentilhões das Ilhas Galápagos, grupos de biólogos observaram a evolução ocorrer em tempo real. Os pássaros evoluíam de um ano para outro, de acordo com as mudanças nas condições climáticas da ilha. Darwin, que definiu a evolução como um processo invariavelmente longo, através das eras, ficaria espantado com as novas descobertas em seu parque de diversões científico."

Não foi bem a evolução em si que foi registrada ocorrer de um ano para o outro. E, sim, o processo de seleção natural - principalmente em função da maior ou menor intensidade das chuvas. Parece picuinha, mas ter em mente a distinção entre evolução e seleção natural é importante.

"Ao retornar à Inglaterra, após a viagem do Beagle, Darwin foi amadurecendo a teoria da evolução e começou a escrever A Origem das Espécies dois anos depois, em 1838. Só publicou o volume, no entanto, após 21 anos. Ele sabia do potencial explosivo de suas ideias na ultraconservadora Inglaterra do século XIX – da qual, ele próprio, era um legítimo representante. Elaborar uma teoria que ia contra os dogmas da Bíblia era, para Darwin, motivo de enorme angústia. Não colaboravam em nada os temores de sua mulher, Emma, de que, por causa de suas ideias, Darwin fosse para o inferno após a morte, enquanto ela iria para o céu – com isso, eles estariam condenados a viver separados na vida eterna."

Há controvérsias em relação ao motivo do atraso na publicação das idéias. Vide: John van Wyhe 2007 - 'Mind the gap: Did Darwin avoid publishing his theory for many years?' Notes and Records of the Royal Society 61: 177-205. Nesse trabalho, o autor sustenta que a postergação da publicação se deu pelo fato de Darwin simplesmente ter se mantido muito ocupado com seus estudos - sobretudo pela descrição das cracas.

"A noção de que a evolução das espécies se dá pela seleção natural, no entanto, é original de Charles Darwin, e só foi aceita integralmente depois da descoberta da estrutura do DNA, em 1953."

De fato Darwin concebeu a idéia de seleção natural como motora da evolução. Mas é importante salientar que pelo menos outras quatro pessoas, de modo independente, acabaram também chegar a idéias muito similares se não idênticas. O mais conhecido é o trabalho de Alfred Wallace, que acabou sendo apresentado juntamente com o resumo de Darwin na Linnean Society. Mas Edward Blyth, Patrick Matthew e William Charles Wells também elaboraram hipóteses parecidas. Claro que isso não diminui em nada o trabalho de Darwin, que procurou juntar indícios das mais diversas naturezas: biogeografia, paleontologia, embriologia e criação comercial - para sustentar solidamente os argumentos em favor da evolução por seleção natural.

E a seleção natural, na verdade foi aceita bem antes, com a Nova Síntese - entre as décadas de 1930 e 1940. A estrutura do ADN em si não tem muita coisa a ver com seleção natural - "apenas" revelava o modo de transmissão de características, que não era vital à teoria da evolução por seleção natural.

"Darwin atribuiu a transmissão de características entre as gerações a células chamadas gêmulas, que se desprenderiam dos tecidos e viajariam pelo corpo até os órgãos sexuais. Lá chegando, seriam [...] hoje se conhece como genes. Com as ervilhas de Mendel, o processo concebido por Darwin teve comprovação científica. A descoberta da dupla hélice do DNA, pelos cientistas James Watson e Francis Crick, em 1953, finalmente esclareceu o mecanismo por meio do qual a informação genética é transmitida através das sucessivas gerações."

Na verdade, as idéias de Mendel iam *contra* as idéias de transmissão de características de Darwin - daí a importância da Síntese Moderna, que conciliou a teoria da evolução por seleção natural com a genética mendeliana. A pangênese darwiniana preconizava uma mistura de características e não a herança de fatores que se mantinha discretos (ou pelo menos que se segregavam).

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