Lives de Ciência

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terça-feira, 28 de abril de 2009

Aquecimento global (parte 1 de 3): resposta

Salve, Jandui Aranha,

Obrigado pela visita e pelos comentários.

Vamulá.

1) Como eu disse, há consenso e não unanimidade. A existência de uma corrente que nega não é contraditória à idéia de consenso - e sim à de unanimidade, coisa que eu disse que não existe. O consenso não precisa ser um *acordo*, apenas uma concordância *predominante*. Vide o que diz titio Houaiss:
"consenso. s.m. (1493 cf. IVPM) 1 concordância ou uniformidade de opiniões, pensamentos, sentimentos, crenças etc., da maioria ou da totalidade de membros de uma coletividade (o c. da cristandade) 1.1 uma das maneiras de se deliberar em assembléias, conselhos etc., que ocorre quando não há objeções ou argumentos contrários ao que se está propondo (foi decidido por c.) 2 bom senso, senso comum (conforme dita o c., não se deve rasgar dinheiro) 3 identidade, concordância ou uniformidade de natureza, de caracteres etc.; harmonia (um c. desejável entre eleitos e eleitores) 4 anuência; consentimento (foi inesperado o c. da moça ao pedido de casamento) ± mútuo c. jur acordo recíproco das partes para se fazer ou desfazer um negócio jurídico; mútuo consentimento ¤ etim lat. consénsus,ús 'conformidade ou concordância de opinião ou de sentimento, acordo, harmonia, concórdia'; ver sen(t/s)- ¤ sin/var ver sinonímia de nução ¤ ant ver antonímia de nução"
Quanto à American Meteorological Society, vide o que ela mesma diz:
"However, the relative effect of carbon dioxide dominates all other anthropogenic increases of greenhouse gases since the industrial revolution. An overwhelming majority of scientists agree on the following facts relating to the global warming issue.
* The theory of how greenhouse gases directly interact with atmospheric radiation is not controversial. If no other factors counter their influence, increases in their concentration will lead to global warming.
* A steady rise in the concentration of greenhouse gases began over 200 years ago and is continuing. Atmospheric concentration of carbon dioxide, the principal greenhouse gas, has increased from pre-industrial concentrations of 280 ppmv (parts per million by volume) to over 367 ppmv in 2000, an increase of more than 30%; methane has increased from 0.7 to about 1.8 ppmv, an increase of more than 150%; nitrous oxide has increased from 0.27 to over 0.31 ppmv, an increase of 16%. Tropospheric ozone is estimated to have increased by 35% since the industrial revolution.
* At current rates and modes of energy use, doubling of carbon dioxide relative to preindustrial levels is likely to occur by the mid- or late twenty-first century.
* If we were to proceed on our present course until the current global inventory of known oil and coal deposits are exhausted, carbon dioxide concentrations could reach 4-6 times those of preindustrial levels. * Because carbon dioxide is not destroyed chemically in the atmosphere, centuries and longer will be required before the added carbon dioxide is removed from the atmosphere to the deep ocean and geologic reservoirs."
http://www.ametsoc.org/policy/climatechangeresearch_2003.html
Percebe a diferença? Claro, a pesquisa de opinião a que você se refere é de *1991*!

Não se trata aqui de qualquer modo enfiar consenso goela abaixo. O que se pretende com a série de postagens (eu juro que um dia publico as partes 2 e 3) é mostrar os indícios em que se baseiam a maioria dos cientistas para dizer que há um "aquecimento global antropogênico".

2) Aqui há todo espaço para opiniões: você pode achar estranho, isso é seu direito. Mas o sentido de "espaço exageradamente grande" é explicado no texto como "exagerado em relação aos indícios fatuais que possuem". O valor dos indícios pode ser mensurado de modo mais ou menos objetivo. Veja que não estou falando em termos de comparação direta entre os prós e os contras - não é se comparar o número de reportagens ou o tamanho da mancha de textos de cada um; mas sim o tamanho dedicado a cada um com o que cada um tem a dizer. (Não irei me ater aqui ao passado do Dr. Azevedo. Nem à vida pessoal dele. Como eu escrevi na postagem "o debate ideológico não se deve sobrepor aos dados".)

3) Na verdade não há divergências sérias entre os dados de satélites e os dados de estações meteorológicas. Repare que no link que você deu, o autor contrasta os dados planetários com alguns dados *locais* - aí, claro que não se espera uniformidade. O autor do site mencionado ainda mistura dados da baixa troposfera com dados da média troposfera - o que não deve ser feito (basta saber que dentro da troposfera a temperatura cai com a altitude). O arrefecimento, como comentei lá no blogue do Nassif, *não* está caracterizado. Já houve episódios anteriores de quedas no meio da tendência geral de aumento (vide a famigerada reportagem do Estadão). Não é uma facada pois o aquecimento global antropogênico não diz que outros fatores não interfiram - apenas que o prepondera é a ação humana (falarei um pouco sobre isso nas postagens seguintes). Você sabia que estamos em um dos períodos de *menor* atividade solar nos últimos 50 anos?

4) Não há nenhuma conspiração. É apenas a verdade: o negacionismo é-lhes conveniente. Não fiz nenhuma ilação a respeito de financiamento (coisa que eu poderia fazer já que há provas de que muitos negacionistas foram financiados pela indústria petrolífera, mas que não é o foco da minha abordagem aqui).

[]s,

Roberto Takata

Aquecimento global (parte 1 de 3): leitor comenta

Takata, estou eu aqui como prometido. Três considerações a fazer, se me permite:

1. Consenso e unanimidade

Takata disse:
“Há uma corrente de pessoas que negam o aquecimento global antropogênico contrariamente ao consenso na comunidade científica alcançado desde pelo menos o IV IPCC (2007).”

Você frisa que existe consenso mas não existe unanimidade. Qual a diferença? Unanimidade seria quando um grupo possui a mesma opinião sobre um determinado assunto enquanto consenso seria um ACORDO no grupo para se chegar a um ponto de vista comum. Concorda? Se sim, temos uma unanimidade. Claramente não existe acordo entre os cientistas. Mas entre os climatologistas parece que se está caminhando para um consenso de que defender a teoria do aquecimento global é entrar numa fria. Afinal, uma pesquisa do Gallup indicou que apenas 17% dos membros da American Meteorological Society da American Geophisical Society achavam que o aquecimento do século 20 teria sido resultado de um aumento das emissões de gases de efeito estufa.

Desculpe-me mas, tentar enfiar guela abaixo este “consenso” é uma impostura científica.

Portanto, sua frase é contraditória além de não ser verdadeira: se há uma corrente que nega, logo, não existe consenso. Aliás consenso em ciência é raro. O senado americano possui um relatório que contém mais de 700 assinaturas dos maiores climatologistas e físicos do planeta questionando a teoria do aquecimento global. Logo, não procede afirmar sobre consenso. Pelo contrário: o relatório do IPCC contém assinaturas de 52 cientistas somente contra mais de 700 do US. Senate Minority report.

2. Espaço exageradamente grande nos meio de comunicação aos céticos.

Achei muito estranho você dizer isto. A mída está entupida de reportagens fazendo referência sobre o aquecimento global. É raro encontrar reportagens mostrando o outro lado. Veja, por exemplo, as várias séries na rede globo – atualmente a série no fantástico.
O filme “Uma verdade incoveniente” foi agraciado com Oscar, apesar de conter 26 afirmações distorcidas, 17 enganosas, 10 exageradas, 28 especulativas e 19 erradas – isto tudo registrado no livro de Marlo Lewis. Sem falar que o judiciário Inglês confirma as incorreções, pois o filme só pôde ser distribuído nas escolas da Inglaterra depois de diversas correções.
A Folha a pouco publicou artigo de Azevedo questionando o aquecimento global. Achei estranho, pois o perfil dos leitores da folha ainda são bem contrários ao passado pouco democrático de Azevedo. Se fosse um artigo de um cientista com mais reputação, duvido que a folha tivesse publicado. Você mesmo presenciou o debate no blog do Nassif - muitos eram contra o Azevedo pelo seu passado e não pelos argumentos apresentados.

3. Você apresentou gráficos usando somente fontes de termômetros terrestres (RSS/GISS)

É sabido que existe duas bases distintas de dados: os termômetros terrestres e os satélites. A diferença é grande e séria podendo comprometer a credibilidade da ciência. Consulte as fontes e verá as diferenças. Você pode chegar à conclusões claras acessando gráficos das duas fontes de dados em
(http://www.junkscience.com/MSU_Temps/Warming_Look.html

Qual dos dois métodos seria mais adequado para calcular uma possível média de temperatura da terra? Analise os prós e contras de ambas e conclua.

A fraude ocorrida em outubro de 2008 pelos alarmistas usou uma base de dados corrompida da Rússia (http://wattsupwiththat.com/2008/11/10/giss-releases-october-2008-data/ ) e também com a computação de dados de bases desativadas, me lembrando as incorreções nos relatórios do IPCC (alguns exemplos interessante em http://uddebatt.wordpress.com/2009/04/05/fatal-errors-in-ipccs-global-climate-models/ )
e dos erros grosseiros no filme de Al Gore.

Obs: veja nos gráficos que a curva do aumento do CO2 não tem relação com as variações média das temperaturas. Fica complicado observar uma relação entre as duas curvas.

Aliás, o arrefecimento apresentado pelo planeta neste século é uma facada na lógica do aquecimento antropogênico.

4. Teorias da conspiração

Takata disse:
“É também conveniente para muitos setores contrariados com as medidas sugeridas para o combate ao aquecimento global: como a indústria petrolífera e países e grupos cujos meios de produção dependem fortemente de atividades poluidoras da atmosfera. “

O que não é este parágrafo acima senão uma bela de uma teoria da conspiração? E logo depois você afirma:

“quais as bases que sustentam a afirmação de que está a ocorrer um aumento global da temperatura e que esse aumento é causado pelas atividades humanas? Sem isso, sobra espaço para toda sorte de teorias conspiratórias. “

Não sou dado a dar corda para teorias da conspiração, mas reconheço que elas existem de ambos os lados. Do lado dos céticos tais teorias são motivadas por:

- Al Gore
Gore é um dos sócios-fundadores do fundo de investimento Generation Investiment Managment – criado para promover investimentos de longo prazo “sustentáveis” - conflito de interesses que motivam teorias da conspiração.

- Maurice Strong (articulador internacional da teoria aquecimentista)
Associou-se ao mega-especulador George Soros em um projeto para inserir nos USA os mini carros chineses Cherry – menos poluidores – conflito de interesses que motivam teorias da conspiração.

- Mercado Capt-and-Trade – lucratividade para investidores de empresas ambientalistas

- O alarmismo seria uma tática para frear o desenvolvimento do terceiro mundo e garantir aos países ricos suas conquistas tecnológicas no caso do desenvolvimento dos países pobres comprometer os recursos da terra?

Veja bem: não sou adepto de tais teorias que se desenvolvem a partir das idéias acima. Apenas estou mostrando que elas podem pulular pelos dois lados da contenda.

É isso aí. Até mais.

Jandui

sábado, 18 de abril de 2009

Aquecimento global (parte 1 de 3)

Esta semana, o jornalista Marcelo Leite, especializado em ciências, comentou sobre os que ele chama de "céticos do aquecimento global" (e sobre os criacionistas) - parte pode ser lida no blogue dele. O jornalista Luis Nassif, especializado em economia, reproduziu um texto do físico José Carlos de Azevedo (um dos "céticos do aquecimento") publicado na Folha de São Paulo.

Muitos comentários a essas postagens revelam um preocupante desconhecimento a respeito do conhecimento científico por trás da hipótese do aquecimento global antropogênico. Há, também, tentativas de debate ideológico - que tem seu lugar, mas não deve se sobrepor aos dados na análise da situação.

Com base nisso inicio aqui uma série de postagens sobre o tema para esclarecer alguns pontos que parecem não ter ficado claro na mente das pessoas, especialmente de leigos.
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Aquecimento global

Há uma corrente de pessoas que negam o aquecimento global antropogênico contrariamente ao consenso na comunidade científica alcançado desde pelo menos o IV IPCC (2007). Supostamente em nome de um pluralismo, essa corrente de vozes dissonantes encontra um espaço exageradamente grande na imprensa leiga: exagerado em relação aos indícios fatuais que possuem contra a tese do aumento da temperatura causada pela emissão de gases na atmosfera pela atividade humana (particularmente pela queima de combustíveis fósseis e também pelo desmatamento). Há três vertentes principais desse negacionismo:
1) Não há indícios de que o aquecimento global esteja em andamento;
2) Não há indícios de que os gases-estufa, principalmente o CO2, causem o aquecimento global;
3) Não há indícios de que os seres humanos sejam os principais causadores do aumento da concentração dos gases-estufa na atmosfera.
A voz dos negacionistas ecoa na mente de leigos que consideram o alerta sobre o aquecimento global mera ação de propaganda. É também conveniente para muitos setores contrariados com as medidas sugeridas para o combate ao aquecimento global: como a indústria petrolífera e países e grupos cujos meios de produção dependem fortemente de atividades poluidoras da atmosfera.
Aparentemente nem os cientistas, nem a imprensa leiga e especializada estão fazendo uma tarefa satisfatória para o esclarecimento da opinião pública: quais as bases que sustentam a afirmação de que está a ocorrer um aumento global da temperatura e que esse aumento é causado pelas atividades humanas? Sem isso, sobra espaço para toda sorte de teorias conspiratórias.
Antes de prosseguir com a exposição dos indícios que fizeram a comunidade científica atingir um consenso (não unanimidade) sobre o tema, pode ser útil esclarecer alguns termos:
aquecimento global: aumento da temperatura média da camada da atmosfera mais próxima à superfície;
mudanças climáticas: alterações em regimes climáticos (chuva, temperatura, ventos...) – não são meras condições meteorológicas (estado atmosférico em um dado momento), mas climáticos (estado atmosférico geral em intervalos maiores de tempo).
efeito estufa: aumento da temperatura média de uma porção de ar (podemos considerar toda a atmosfera, p.e.) pela presença de determinados gases em certas concentrações.
São conceitos ligados, mas distintos. O efeito estufa pode ocorrer sem incorrer em aquecimento global: a temperatura média das camadas baixas da atmosfera podem permanecer constantes, apenas mais altas do que seria se não houvesse, por exemplo, CO2 – bastaria que nem a concentração do CO2 aumentasse, nem outros fatores se alterassem (como a incidência luminosa média local). O aquecimento global poderia ocorrer sem que o efeito estufa fosse responsável: as concentrações dos gases-estufa permanecessem constantes, mas a incidência luminosa local estivesse aumentando. Dificilmente um aquecimento global não causaria mudanças climáticas, mas mudanças climáticas poderiam ocorrer sem um aquecimento global: por exemplo, diante de um *resfriamento* global.
Feitos os esclarecimentos iniciais, vamos então à primeira questão: a temperatura média global nas camadas baixas da atmosfera está aumentando no decorrer do tempo?
Aquecimento global está a ocorrer
Isso é relativamente fácil de se responder, uma vez que há registros mais diretos de temperatura desde 1850 (Brohan et al. 2006; Jones & Salmon 2008) – é preciso fazer algumas correções em função da variação do método da coleta dos dados, mas o quadro é bastante claro (fig. 1).
Figura 1. Gráfico da diferença da temperatura média atmosférica superficial global ao longo dos anos em relação à média das temperaturas entre 1961 e 1990). Série histórica: 1850 a 2008.
O NCDC (2009), com outra base de dados, tem um resultado muito parecido (fig. 2).
Figura 2. Gráfico da diferença da temperatura média atmosférica superficial global ao longo dos anos em relação à média das temperaturas entre 1901 e 2000). Série histórica: 1880 a 2007.
A despeito do que os negacionistas dizem – incluindo a menção a recortes de jornais da década de 1970 (Hackbart 2007), em que pessoas e alguns cientistas se mostravam preocupados com a *diminuição* da temperatura – há, então, indícios muito sólidos sobre o aquecimento global. (Notemos que a intensidade do aumento da temperatura subsequente à década de 1970 é muito maior e a extensão do tempo 1975-2008 é equivalente ao de 1940-1975.)
Estando bem estabelecido o aquecimento global como um fenômeno real, muitos negacionistas admitem que há um aumento na temperatura do planeta, mas dizem que é um fenômeno provocado por outras causas, como um aumento na atividade solar. Será assim?
Referências

Brohan, P., J. J. Kennedy, I. Harris, S. F. B. Tett, and P. D. Jones. 2006. Uncertainty estimates in regional and global observed temperature changes: A new data set from 1850, J. Geophys. Res., 111, D12106, doi:10.1029/2005JD006548.

IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change). 2007. Fourth assessment report. Disponível em: http://www.ipcc.ch/ipccreports/ar4-syr.htm. Acessado em: 16 de abril de 2009. Link quebrado. Novo link: http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html. Acessado em: 05 de maio de 2012.

Jones, P. & Salmon, M. 2008. Temperature data (HadCRUT3 and CRUTEM3). Disponível em: http://www.cru.uea.ac.uk/cru/data/temperature/. Acessado em: 16 de abril de 2009.

Hackbart, E. 2007. Quente ou frio ? O dia em que o Estadão anunciou o início de uma Era Glacial. Disponível em: http://www.metsul.com/secoes/visualiza.php?cod_subsecao=33&cod_texto=513. Acessado em: 16 de abril de 2009.

NCDC (National Climate Data Center). 2009. Global surface temperature anomalies. Disponível em: http://www.ncdc.noaa.gov/oa/climate/research/anomalies/index.php. Acessado em: 16 de abril de 2009.
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Upideite (13/set/2009): Aqui a parte 2. Aqui a parte 3.

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