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sábado, 16 de junho de 2012

Causo: Qual a diferença entre a Science e a Nature? Perspectiva de um percevejo.

"Everything has already been said, but perhaps not by everyone and to everyone."
["Tudo já foi dito, mas talvez não por todos e nem pra todo mundo."]
Desconhecido.  Apud  DiNardo 2008.

As duas principais revistas científicas multitemáticas são a britânica Nature (fundada em 1869 e com assinatura anual de US$ 199) e a americana Science (em 1880, com assinatura anual de US$ 140). A primeira tem um fator de impacto de 36,101 citações por artigos e a segunda, de 31,364 (valores de 2010). Ambas receberam em 2007, o prêmio Príncipe das Astúrias na categoria de comunicação.

Mas tirando o fato de que na primeira você escreveria 'organisation' e na segunda, 'organization', que diferenças substanciais podemos destacar entre as duas? Um inseto, o percevejo-fogo europeu Pyrrhocoris apterus, sabe. (Figuras 1, adulto, e 2, ninfa.)

Figura 1. Adulto de Pyrrhocoris apterus. Fonte: Wikimedia Commons.


Figura 2. Ninfa de Pyrrhocoris apterus. Fonte: Wikimedia Commons.


A história - publicada em 1965 - é antiga o bastante para ter adentrado em livros-textos de fisiologia animal e biologia do desenvolvimento, mas a anedota é suficientemente deliciosa e dentro de um tema não tão bem profundamente conhecido pelo público em geral que vale a pena contar.

O fisiologista animal tcheco Karel Sláma, do então Instituto Entomológico da Academia de Ciências Tchecoslovaca (atualmente da Academia de Ciências da República Tcheca), foi visitar os EUA e levou ovos do P. apterus para o laboratório de Carroll Milton Williams (morto em 1991, aos 74), entomólogo da Universidade de Harvard. (Não sei como era naquele tempo a questão da defesa agropecuária e introdução de pragas em potencial. Provavelmente bem menos rigoroso do que hoje em dia.)

Como todo bom hemimetábolo, o P. apterus normalmente passa por estágios de ninfas, sofrendo muda periódica e, ao final, adquirindo a asa da forma adulta. Esse processo é controlado pelo hormônio juvenilizante, secretado pelas corpora alatta, um par de glândulas localizadas atrás do cérebro dos insetos. Após algumas mudas, o hormônio deixa de ser produzido pelas glândulas e o inseto se transforma em adulto (voltando a ser produzido e estimulando a maturação das gônadas).

Nos 10 anos em que foram criadas no laboratório em Praga, as linhagens apresentaram todas desenvolvimento normal dos indivíduos, com o estágio adulto ocorrendo na muda do 5o estágio de ninfa. Em Boston, dos 1.500 ovos que eclodiram inicialmente, nenhum alcançou a maturidade sexual: a partir do 5o estágio, emergiu um 6o estágio de ninfa ou formas adultóides que retinham muitas características larvais; em alguns casos, houve até mesmo um 7o estágio de ninfa.

Após uma detalhada auditoria comparando as diferenças de manejo das criações no laboratório de Praga e no de Harvard, chegaram a uma lista de 15 diferenças. Uma a uma foram testadas. A conclusão foi a de que o papel toalha usado para forrar as caixas de criação estava envolvido: quando o substituíram por um papel filtro, o fenômeno desapareceu.

Abriu-se uma avenida de possibilidades para os cientistas explorarem. Experimentaram diferentes marcas de papel toalha: 18 das 20 testadas causavam a juvenilização permanente dos insetos. Exposição a exemplares de The Wall Street Journal, New York Times, Boston Globe, Scientific American e... Science também provocavam o fenômeno. Mas, se usavam papel de procedência europeia e japonesa, não. Nem London Times, nem... Nature.

Isolando extratos dos papéis e depois das árvores fonte das fibras chegaram à conclusão de que um composto presente naturalmente em certas plantas americanas mimetizava o efeito do hormônio juvenilizante de P. apterus. E o efeito era bem específico - pois os extratos que tinham o efeito no percevejo não causavam nenhum sinal quando aplicado em pupas de Hyalophora cecropia e de Antheraea polyphemus, dois lepidópteros saturnídeos norte-americanos.

Estava descoberto um novo mecanismo de proteção de plantas. E, claro, um novo caminho para controle de pragas.

Upideite(16/jun/2012): De mais peculiar no artigo, é que lá há menos preocupação com descrições quantitativas, tabelas e gráficos sobre os resultados, do que a descrição do processo: desde como o problema surgiu, até os caminhos pelos quais a questão foi atacada. Claro, inevitavelmente a narrativa é direcionada pela trilha que, ao fim, revelou-se esclarecedora - mas há pistas dos outros desvios percorridos. A maioria dos trabalhos falham em contextualizar o processo - quando muito, a origem da questão é colocada na introdução; mas do resto decorre uma descrição que parece que os autores tinham a exata ideia do que deveria ser feito desde o início e que tudo se deu exatamente como planejado. Acho que entre os materiais suplementares disponibilizados nos sites de muitos periódicos (com detalhamento da metodologia, dos dados analisados, gráficos que não couberam no artigo final, etc.) poderia constar uma breve narrativa dos caminhos geralmente tortuosos trilhados pelos pesquisadores. Ou pelo menos um link para uma página (ou blogue) em que os autores dão detalhes dos impasses e insights surgidos.

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