Lives de Ciência

Veja calendário das lives de ciência.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Antiguidade sólida: (mais um) ataque à sociologia

Não vi uma confirmação oficial do que teria dito nosso amado e premiado gestor hídrico, o governador Geraldo Alckmin, sobre a Fapesp dever financiar apenas pesquisas "úteis" e não "inúteis" como a Sociologia.

Eu poderia responder a esse ponto de vista apenas com referências a postagens anteriores no GR; como uma de 2012 sobre a crítica do jornalista Luís Nassif a pesquisas "inúteis" pelo CNPq, uma sobre a (falsa) dicotomia entre ciência aplicada e básica ou uma terceira sobre a questão da hierarquia das ciências (os dados sugerem que haja uma hierarquia em relação ao grau de consenso entre as áreas: mas isso estaria ligado à complexidade do fenômeno estudado, não a um valor intrínseco dos campos científicos). Isso tanto mostra que essa visão não é nada original quanto que há uma preocupante permanência dela. Inclusive em outros países como o JapãoReino Unido e EUA.

Mas deixemos o próprio Conselho Superior da Fapesp com a palavra:
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A FAPESP considera importante o debate na sociedade sobre o papel da pesquisa no Estado de São Paulo. Por determinação constitucional, esta Fundação deve apoiar o “desenvolvimento científico e tecnológico” no Estado de São Paulo (artigo 271, caput da Constituição Estadual) em todas as áreas do conhecimento (artigo 16, parágrafo primeiro da Lei 5918 de 1960).
Pela natureza intrínseca da ciência, resultados práticos de diferentes pesquisas podem se verificar em diferentes prazos, de maior ou menor extensão. Algumas pesquisas não se realizam para chegar a resultados práticos, mas sim para tornar as pessoas e as sociedades mais sábias e, assim, entenderem melhor o mundo em que vivemos, o que é uma das missões da ciência.
O Conselho Superior da FAPESP destaca que o apoio à pesquisa com vistas a aplicações tem recebido mais da metade (52% nos últimos três anos) dos recursos totais destinados às atividades-fim da Fundação. Por determinação legal, 95% do orçamento anual da FAPESP são destinados ao financiamento de pesquisas e é vedado à Fundação assumir encargos externos permanentes de qualquer natureza, inclusive salários.
Desde a sua criação, e por determinação legal, a FAPESP constituiu um patrimônio rentável que lhe permite, em situações de crise, não deixar de cumprir seus compromissos assumidos. Tal patrimônio tem sido administrado com rigor e eficácia ao longo de sua história e impedido que pesquisas importantes sejam interrompidas abruptamente por falta de recursos em tempos de arrecadação em baixa, como o atual.
O Conselho Superior afirma que a FAPESP, com a autonomia de que desfruta constitucionalmente, continuará obedecendo aos preceitos legais, atendendo às demandas de financiamento da pesquisa em todas as áreas do conhecimento científico e tecnológico.
A FAPESP está sempre atenta às demandas da sociedade, em busca do contínuo aperfeiçoamento do seu funcionamento, e continuará contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico do Estado de São Paulo e do Brasil, como vem fazendo diligentemente em seus mais de 53 anos de existência.
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(via Ruth Helena Bellinghini e Maurício Tuffani fb)

Nota da Academia de Ciências do Estado de São Paulo - Aciesp*
Nota da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - Anpocs*

Veja também outros textos sobre o tema na DCsfera:
26.abr.2016: Reinaldo José Lopes - Darwin e Deus: Alckmin e a ciência
27.abr.2016: Cristiano Bodart & Roniel da Silva - Café com Sociologia: Nota de repúdio à má fé do (des)governador Alckmin em relação à Sociologia
27.abr.2016: Maurício Tuffani - Direto da Ciência: O canal entupido de Alckmin com a ciência
29.abr.2016: Canal do Pirula: Zika, Fapesp e o Governador
07.mai.2016: Olá Ciência!: Pesquisa Básica e a Fapesp são inúteis, governador? (vídeo, não vi)

*Upideite(29/abr/2016): adido a esta data.

domingo, 17 de abril de 2016

Pesquisa GR: Melhores canais de DC na internet

Pelo rápido levantamento que fiz, encontrei apenas uma única votação dos melhores canais lusofônicos de divulgação científica baseada na internet. Realizada em 2009 - incluindo apenas blogues -, o Prêmio ABC, organizado pelo Laboratório de Divulgação Científica e Cientometria do Osame Kinouchi, da USP-RP (encontrei os resultados completos apenas em uma postagem do Rastro de Carbono).

Dos 23 blogues listados, apenas 6 fizeram alguma postagem em 2016.

Creio, então, que esteja na hora de uma atualização, incluindo novas (e nem tão novas) mídias que surgiram desde lá. (Caso a visualização nesta postagem não esteja muito boa, pode acessar o formulário diretamente no Google.)

Conto com a colaboração dos leitores do GR tanto na resposta como na divulgação da pesquisa.

(Não é preciso preencher todo o formulário. Caso não saiba indicar algum canal para um dos itens, pode deixá-lo em branco. [Naturalmente, dados pessoais também são de resposta facultativa.**] A única questão obrigatória é a de concordância com a pesquisa.)*

*Upideite(23/abr/2016): adido a esta data.
**Upideite(08/mai/2016): adido a esta data.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Como é que é? - Sexo não tem a ver com o tipo de brinquedo?

Parece haver uma opinião (geralmente não técnica) crescente - embora possivelmente ainda minoritária (não vi dados de pesquisa de opinião para sustentar isso, apenas de modo indireto baseio-me nas práticas comerciais predominantes como um indicador da cultura prevalente - o que é sujeito a erros, claro) - de que os tipos de brinquedos (carrinhos e revólver vs. bonecas e eletrodomésticos em miniatura) preferidos por meninos e meninas são produtos meramente de fatores culturais.

Por exemplo:
["Acha que a astromancia é zoada? Alguns pais acreditam que a forma dos genitais de um bebê prediz seu brinquedo, passatempos e cores preferidos."]

Figura 1. Fluxograma que se baseia na ideia de não se fazer distinção de sexo/gênero quanto a brinquedos infantis. ["Como saber se um brinquedo é de menino ou de menina. O brinquedo é acionado com os genitais? Sim. Não é para crianças. Não. É tanto para meninos quanto para meninas."] Fonte: Dueling Analogs.

Pessoalmente sou simpático à ideia de que na criação (dos próprios filhos) evite-se a distinção entre tipos de brinquedos.

Agora, isso não quer dizer que não haja nenhuma tendência inata de preferência por parte das crianças a certos tipos de brinquedos de acordo com seu sexo.

Ao contrário, há vários indícios de que *existe* essa preferência inata.

Meninos com comportamento mais associado a garotas (usar roupas femininas, socializar-se mais com garotas, comentar sobre a roupa da mãe, verbalizar que gostaria de haver nascido menina, ter a mãe como modelo de vida,uso de joias e cosméticos, brincar de casinha) e meninos com comportamento mais associado a garotos (brincadeira física, socializar-se mais com outros meninos, prefere o pai ou gosta igualmente de ambos) foram acompanhados ao longo de 7 (sete) anos. No primeiro grupo, 17% tinham como brinquedo preferido boneca do tipo feminina; no segundo grupo: 0%. (Green 1976.)

Em primatas como chimpanzés e macacos verdes, cativos e selvagens, é detectada a preferência dos filhotes por brinquedos de acordo com o sexo similar a de crianças humanas.

Meninas com hiperplasia adrenal congênita (CAH) são expostas tanto no útero como após o nascimento a níveis mais elevados de androgênios do que as meninas sem essa condição. Garotas com CAH têm maior tendência a brincarem com brinquedos associados a meninos e menos com os associados a meninas. Garotos com CAH não apresentam alterações em relação aos meninos sem a condição. (Barenbaun & Hines 1992.)

Alexander (2003) defende que essa preferência diferencial envolve dimorfismo sexual do sistema visual. Para os homens, com o sistema visual ligado às células-M, envolvidas no rastreamento de movimentos, mais desenvolvido (selecionado em função das atividades de caça, reservadas primordialmente aos primatas do sexo masculino): brinquedos associados a meninos, como carrinhos e bola, estimulariam tal via. Já para as mulheres, com o sistema visual sendo ligado mais às células-P, envolvidas com cores e formas (que ajudariam na tarefa de forrageamento de plantas e frutos e cuidado de crianças- como reconhecimento de expressões faciais): brinquedos associados a meninas, como bonecas coloridas e cheias de expressões, estimulariam essa via.

Incorreríamos na falácia naturalista se, constatada essa base biológica inata, insistíssemos que seria errado meninos brincarem com bonecas e meninas com carrinhos. Mas, dado que existem esses indícios, não faz sentido simplesmente ignorá-los para sustentar a tese de que as diferenças são meramente culturais.

Não se trata aqui tampouco de negar o peso cultural nessa preferência. E sim de reconhecer, como em tantas outras características dos seres vivos em geral e dos humanos em particular, uma interação entre fatores genéticos e ambientais (incluindo o modo de criação e socialização).

terça-feira, 5 de abril de 2016

*Não* manda nudes: divulgando ciências no snapchat

A seguir um nanodiretório de perfis de divulgação científica no Snapchat.

davirsimoes  - Primata Falante
devaniljr - Alimente o Cérebro
estevaoslow - Canal do Slow
lageevo - Laboratório de Genética Ecológica e Evolutiva
lmcamargos - Dragões de Garagem
marifiora - Dinobótico
milalaranjeira - Peixe Babel
omanualdomundo - Manual do Mundo
raael_rnam - RNAm, Scienceblogs, Numina Labs
papodeprimata - Papo de Primata

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Obviamente é uma lista beeeeem incompleta, mas salta aos olhos que a maioria são divulgadores que usam o YouTube como plataforma principal. O snapchat, baseado também em vídeo, parece uma extensão natural.

Se souberem de mais, por favor, avisem ali nos comentários. (Também podem divulgar pelo twitter, usando a tag #snapciencia, proposta pelo SBBr.)

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Piriproxifem - pelos dados, sereno e propício

O biólogo Jean Remy Davée Guimarães, da UFRJ, publicou um artigo na Ciência Hoje questionando a segurança do larvicida Sumilarv® (piriproxifem), utilizado no tratamento de reservatórios de água para consumo humano contra o mosquito Aedes aegypti.

As preocupações são importantes já que precisamos ter segurança quanto ao que consumimos. Mas, felizmente, muitas das perguntas têm uma resposta que apontam para a relativa inocuidade à saúde humana.

"Mas me deparei também com um trecho preocupante: 'Em razão da baixa dose empregada e da segurança, os depósitos deverão ser tratados pela sua capacidade (volume total). É fundamental a cubagem do volume antes de fazer a aplicação do produto'. Hum... Então, se uma caixa de 1.000 litros só contiver 100 litros, a concentração do larvicida na água será dez vezes maior do que o recomendado. Pior: se, na próxima visita do agente sanitário, a caixa contiver os mesmos 100 litros já tratados, com a nova aplicação a concentração de larvicida será 20 vezes maior do que o recomendado."

O nível máximo seguro de ingestão diária é de 0,1mg por kg de massa corporal. A dose recomendada para aplicação na água é de 0,01mg/l. No caso de uma aplicação em dose 20 vezes maior: 0,2mg/l, o consumo máximo seguro de ingestão diária de água seria de 0,5l por kg de massa corporal. Um adulto de 50 kg teria que ingerir 25 litros de água por dia com essa concentração 20 vezes maior para se atingir o nível máximo seguro.

"As instruções técnicas que citei acima afirmam que o larvicida foi registrado na Anvisa sob o número 3.2586.0009.001-1 e com o nome comercial Sumilarv-0.5G. No entanto, quando realizei uma busca no site da Agência, não houve resultado para piriproxifeno, nem para o registro 3.2586.0009.001-1, nem para Sumilarv-0.5G. Tudo bem, acontece nas melhores instituições."

O produto está registrado e aparece, sim, no banco de dados da Anvisa e é possível se consultar o cadastro de Saneantes. (Talvez aqui seja preciso puxar a orelha da Anvisa para tornar a localização do banco de dados mais fácil - talvez um único motor de busca unificado a todos os cadastros: de medicamentos e alimentos a saneantes)

Figura 1. Dados cadastrais do Sumilarv® na Anvisa como saneante.

"Os textos do MS esclarecem, ainda, que o piriproxifeno foi escolhido em 'licitação feita pelo Fundo Rotatório da OPAS/OMS para aquisições de praguicidas (adulticidas e larvicidas) referente ao biênio 2013/2014, que apontou como produto mais econômico o larvicida piriproxifeno (Sumilarv®), fabricado pela empresa Sumitomo Chemical, sendo este, portanto o larvicida adquirido'. Certo. Então, o critério para a escolha de um larvicida a ser adicionado à agua potável de milhares de pessoas foi o preço. Mas calma! O licitante é também órgão normativo e garante que está tudo bem. Frase estranha, não acha?"

Licitações são feitas exatamente para se obter o lance mais baixo dentre os produtos que atendam às especificações técnicas constantes nos editais. Mas não são exatamente os mesmos órgãos que fez a licitação e que fez a análise. Como lembrado pelo trecho, a licitação foi realizada pelo Fundo Rotativo da OPAS/OMS; já a avaliação foi realizada pelo GDWQ/OMS. São braços e parcerias distintas. Sim, ambos se vinculam à OMS, mas esta é a autoridade mundial em saúde, natural que tanto se preocupe com a qualidade dos produtos e serviços de saúde quanto em oferecer acesso a tais. Assim como a Anvisa é vinculada ao Ministério da Saúde para analisar a qualidade dos produtos e serviços oferecidos, enquanto o Ministério da Saúde têm programas para aquisição e distribuição de medicamentos para a população.

"Buscando por piriproxifeno no site da organização internacional, encontro o polpudo relatório “Chemical Fact Sheets”, parte dos Guidelines of Drinking Water Quality, publicação que trata do piriproxifeno em suas páginas 439 a 440. Ali encontro, entre outros trechos bizarros (a tradução é minha):
'Não é considerado apropriado estabelecer um valor formal de referência para piriproxifeno usado em controle de vetores em água potável. A dose máxima recomendada de 0.01 mg/l seria equivalente a menos de 1% do limite superior de ingestão diária aceitável alocada para água potável para um adulto de 60kg que bebe 2 litros de água ao dia'.

Trocando em miúdos: não é apropriado estabelecer valores de referência, mas eles foram estabelecidos mesmo assim."

Não exatamente. O que diz o documento?

"It is not considered appropriate to set a formal guideline value for pyriproxyfen used for vector control in drinking-water. The maximum recommended dosage in drinking-water of 0.01 mg/l would be equivalent to less than 1% of the upper limit of the ADI allocated to drinking-water for a 60 kg adult drinking 2 litres of water per day. For a 10 kg child drinking 1 litre of water, the exposure would be 0.01 mg, compared with an exposure of 1 mg at the upper limit of the ADI. For a 5 kg bottle-fed infant drinking 0.75 litre per day, the exposure would be 0.0075 mg, compared with an exposure of 0.5 mg at the upper limit of the ADI. The low solubility and the high log octanol–water partition coefficient of pyriproxyfen indicate that it is unlikely to remain in solution at the maximum recommended applied dose, and the actual levels of exposure are likely to be even lower than those calculated."
["Não é considerado apropriado estabelecer um valor formal de referência para o piriproxifem usado na água potável para controle de vetores. A dose máxima recomendada na água potável de 0,01 mg/l seria o equivalente a menos de 1% do limite superior da ADI indicada para água potável para um adulto de 60 kg que bebe 2 litros de água por dia. Para uma criança de 10 kg que bebe 1 litro de água, a exposição seria de 0,01 mg, em comparação a uma exposição de 1mg no limite superior da ADI. Para um lactente de 5 kg que bebe 0,75 litro por dia, a exposição seria de 0,0075 mg, em comparação a uma exposição de 0,5 mg no limite superior da ADI. A baixa solubilidade e o alto coeficiente logarítmico de partição octanol-água do piriproxifem indica que é improvável que ele permaneça em solução na dose máxima de aplicação recomendada e os níveis reais de exposição possivelmente serão ainda mais baixos do que a dose calculada."]

O ADI ("acceptable daily intake" - ingestão diária aceitável) é diferente de um valor recomendado, assim como "maximum recommended dosage" ("dose máxima recomendada") não estabelece um valor (além de qual limite superior não ultrapassar): se deveria ser 0,001 mg/l ou 0,01 mg/l ou maior do que a ADI para controlar os vetores é algo que o documento não estabelece por considerar que depende muito do contexto específico, apenas fornece informações a respeito da segurança.

"While it is not appropriate to set guideline values for pesticides used for vector control, it is valuable to provide information regarding their safety in use. Formulations of pesticides used for vector control in drinking-water should strictly follow the label recommendations and should only be those approved for such use by national authorities, taking into consideration the ingredients and formulants used in making the final product. In evaluating vector control pesticides for the Guidelines, an assessment is made of the potential exposure compared with the ADI. However, exceeding the ADI does not necessarily mean that this will result in adverse health effects. The diseases spread by vectors are significant causes of morbidity and mortality. It is therefore important to achieve an appropriate balance between the intake of the pesticide from drinking-water and the control of disease-carrying insects. It is stressed that every effort should be made to keep overall exposure and the concentration of any larvicide no greater than that recommended by WHOPES and as low as possible commensurate with efficacy." Pp: 190-1 GDWQ/OMS 4a ed.
["Embora não seja apropriado estabelecer valores de referência para pesticidas usados no controle de vetores, é útil fornecer informações a respeito da segurança de seu uso. As formulações dos pesticidas usados na água potável para controle de vetores deve seguir estritamente as recomendações dos rótulos e devem apenas serem aprovados para tal uso por autoridades nacionais, levando em consideração os ingredientes e formulantes usados na produção do produto final. Na avaliação dos pesticidas de controle de vetores para o Guia, é realizado um estudo da exposição potencial em relação à ADI. No entanto, exceder a ADI não significa necessariamente que isso resultará em efeitos adversos à saúde. As doenças espalhadas pelos vetores são causas significativas de morbidade e mortalidade. Assim, é importante se alcançar um balanço apropriado entre a ingestão do pesticida com a água potável e o controle de insetos carreadores de doenças. É enfatizado que todo esforço deve ser feito para manter a exposição total e a concentração de qualquer larvicida não maior do que o recomendado pelo WHOPES e tão baixo quanto possível se acompanhar de eficácia."]

"'Para cada contaminante químico ou substância considerada, uma instituição líder [Quem escolheu? Com que critérios?] preparou um documento base avaliando [Como?] os riscos [Quais?] para a saúde humana em função da exposição ao composto considerado em água potável. Instituições [Quais? De que tipo? Quem escolheu?] do Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Noruega, Polônia, Suécia, EUA e Reino Unido prepararam documentos para a 3a edição e adendos. Sob a supervisão de um grupo de coordenadores [Escolhidos por quem?], cada um responsável por um grupo de compostos considerados no GDWQ (Guidelines for Drinking-water Quality), os documentos de critério de saúde foram submetidos a um certo número [?] de instituições científicas [?] e experts [?] selecionados [Como e por quem?] para revisão pelos pares.'"

A parte de quem escolheu e por quais critérios consta no "WHO Guidelines for Drinking-water Quality - Policies and Procedures used in updating the WHO Guidelines for Drinking-water Quality".

A parte de quais pesquisadores e quais instituições consta no anexo 2 do GDWQ 3a edição. Para o piriproxifem, a seção de agradecimentos ("Aknowledgements") do: "Pyriproxyfen in Drinking-water: Use for Vector Control in Drinking-water Sources and Containers Background document for development of WHO Guidelines for Drinking-water Quality"

"A seguir, são mencionados, mas não citados, dois estudos sobre borrifação de piriproxifeno em cítricos nos EUA e Israel, em que não se detectou piriproxifeno na água. Logo, conclui-se que a exposição ao piriproxifeno por meio da ingestão de alimentos e água potável será muito baixa."

Não é isso o que está no documento. Logo no primeiro parágrafo da seção "Environmental levels and human exposure" lemos:

"However, there is potential for direct exposure through drinking-water when pyriproxyfen is directly applied to drinking-water storage containers."

A conclusão de baixa exposição pelos alimentos e água potável se refere ao uso como pesticida aplicado na lavoura:

"During May 2001, surface water samples were collected from five sites in Orange County, California, USA. Water samples showed no detectable concentrations of pyriproxyfen.

Pyriproxyfen is used on citrus fruit in Israel, South Africa, Spain and Italy. Residues in the 18 trials in those countries were as follows: oranges, 0.02–0.25 mg/kg; grapefruit, 0.03–0.08 mg/kg; and mandarins, 0.02–0.53 mg/kg. The maximum concentration on citrus fruit was about 1 mg/kg. Residues were not detected in the edible pulp (FAO/WHO, 1999).

These data indicate that exposure to pyriproxyfen from food and drinking-water will be very low."
["Durante o maio de 2001, amostras de águas superficiais foram coletadas de cinco locais no Condado Orange, Califórnia, EUA. As amostras de água não mostraram nenhuma concentração detectável de piriproxifen.

O piriproxifem é usado em citrus em Israel, África do Sul, Espanha e Itália. Resíduos de 18 testes nesses países foram os seguintes: laranjas, 0,02-0,25 mg/kg; toranja, 0,03-0,08 mg/kg e tangerinas, 0,02-0,53 mg/kg. A concentração máxima em citrus foiram cerca de 1 mg/kg. Resíduos não foram detectados na polpa comestível (FAO/OMS 1999).

Esses dados indicam que a exposição ao piriproxifem através de alimentos e água potável serão muito baixas."]

"Aleluia, finalmente um texto que não é ferozmente esquizofrênico e tem até referências! Explica absorção, distribuição, excreção, biotransformação e outros aspectos do piriproxifeno. Que beleza. No total, há 46 referências de 23 autores, das quais apenas quatro foram publicadas em revistas indexadas e com conselho editorial e revisão pelos pares. As outras 42 são relatórios produzidos pelo próprio fabricante ou por empresas privadas contratadas pelo mesmo. Já ouviu falar em conflito de interesse?"

Essa é uma discussão bastante ampla na questão de análise de eficiência e inocuidade de medicamentos e similares. O consenso tende a considerar que as empresas devem arcar com as despesas - ficando com elas o ônus da prova para demonstrar que seus produtos funcionam e não matam as pessoas nem destroem o meio ambiente (ou não fazem tanto mal às pessoas e não causam tanta destruição ambiental). Há propostas para que tal tipo de estudos fique por conta de institutos públicos acreditados, mas geralmente esbarra no tamanho da estrutura necessária para tal e nos custos para sua manutenção. Poderia haver um fundo mantido com taxação sobre empresas ou o pagamento pela parte interessada para custeio dos estudos. Discussão similar ocorre quanto à elaboração de relatórios de impacto ambiental de projetos como instalação de fábricas, construção de rodovias, levantamento de barragens, etc.

"No item anterior, 'Aspectos práticos', o documento diz que, para uso em controle de vetores, devem usar-se apenas formulações aprovadas para tal fim por autoridades nacionais, levando em conta os ingredientes usados na preparação do produto final. 

Você viu algo sobre isto no site do MS ou da Anvisa? Eu também não. Mas, se o MS quisesse mesmo testar o produto final, teria que começar sabendo o que ele contém. E isso não é tarefa fácil. Depois de muitas horas sentado procurando, tudo o que consegui foi a tabela abaixo, retirada da página de uma empresa australiana de controle de pragas:

Composição do produto final não é clara o suficiente para uma avaliação mais criteriosa. (foto: Reprodução)

Quais seriam os tais outros ingredientes? Como se sabe que eles não são perigosos? Por que a Sumitomo Chemical só testou o ingrediente ativo e não a fórmula efetivamente comercializada e aplicada? Por que a OMS aceita esta prática, para o Sumilarv, o Roundup e dezenas de outros produtos? São boas perguntas, para as quais não há resposta nos sites dessas entidades, nem nos documentos ali disponíveis."

No banco de dados da Anvisa há um anexo com imagem do rótulo:

São 0,5% p/p de piriproxifem e o resto com ingredientes inertes: tensoativo (algum Tween ou outro detergente da vida) e diluente/excipiente (basicamente pedra pomes moída).

"Em resumo, uma dúzia de obscuros funcionários de uma indústria produzem relatórios obscuros atestando a inocuidade do principio ativo do novo produto da mesma indústria, e estes relatórios serão avaliados por especialistas gentilmente indicados pelo fabricante e avalizados pela OMS. As autoridades nacionais engolem o aval da OMS, aplicam um coquetel contendo o principio ativo e não podem testar a formulação aplicada de fato, pois sua composição não é revelada, tornando impossível atender à recomendação expressa da OMS."

Na verdade podem testar a formulação - mesmo que não soubessem a composição - já que têm acesso ao produto final. Estudos epidemiológicos também podem ser feitos comparando-se as populações expostas e não expostas ao produto ou mais expostas e menos expostas.

Upideite(22/mar/2017): Dzieciolowska e cols. 2017* analisaram o efeito do piriproxifem no desenvolvimento cerebral de paulistinha ('zebrafish', Danio rerio) e não encontraram nenhum alteração - má formação ou alteração do tamanho -no cérebro de embriões do peixe expostos (ainda no ovo) ao larvicida em comparação com o grupo controle.

Em altas doses: 1mg/L ou mais, o piriproxifem mostrou-se tóxico às larvas (houve 100% de letalidade em até 5 dias após a eclosão). Mas mesmo nessa dose não se encontraram alterações morfológicas do cérebro nem de expressão de genes pelas células tronco nervosas. (O tamanho amostral de cada condição: controle e cada concentração de piriproxigem, foi de 20 ovos/larvas.)

Truong et al. 2016  determinaram uma EC50 (concentração em que 50% dos indivíduos expostos apresentam algum efeito) de 5,2 μM (cerca de 1,67 mg/L), com ocorrência de defeitos craniofaciais em larvas de paulistinha, quando havia uma renovação diária da água do tanque (32 indivíduos foram usados para cada tratamento: seis níveis de concentação (máxima de 64 μM) e dois regimes de renovação: sem renovação durante o período - estática - e com renovação diária). Nas concentrações de 6,4 μM ou superior, no regime de renovação diária, houve alteração no comportamento dos embriões e larvas de resposta à exposição à luz. (Na exposição estática, não houve nenhuma diferença entre o controle e os tratamentos.)

As concentrações em que há efeitos observáveis em larvas de paulistinha são 100 vezes maiores do que a concentração 0,01mg/l recomendada de aplicação na água potável. Considerando que o nível máximo seguro de ingestão diária é de 0,1mg por kg de massa corporal, para uma criança de 10 kg. A concentração testada máxima em que não observaram nenhum efeito foi de 0,64 μM (0,21 mg/L), 20 vezes mais alta do que a concentração recomendada no tratamento de água potável.

Em estudo em cidades de Pernambuco, Albuquerque et al. 2016 não encontraram diferenças significativas na prevalência de microcefalia em cidades que usaram pirproxifem (11 cidades, média de 69,3 casos por 10.000 nascimentos - 13.412 nascimentos) e as que usaram Bacillus thuringiensis israelensis (3 cidades, média de 81,8 casos por 10.000 nascimentos - 24.681 nascimentos no período).

*ht Café na Bancada.

Upideite(14/dez/2017): Um estudo (Araújo et al. 2017) que acompanhou dois grupos de gestação: 91 casos de microcefalia ao nascer e 173 controles sem microcefalia ao nascer. Em 32 indivíduos (35%) dos casos foi confirmada laboratorialmente a infecção congênita pelo ZIKV; no controle, nenhum indivíduo apresentou infecção pelo vírus. Após os ajustes, as chances de uma criança com microcefalia ter sido gestada em gravidez com a presença do ZIKV foram cerca de 73 vezes maiores do que uma criança sem microcefalia. Não houve associação entre a microcefalia e a aplicação de vacinas na mãe durante a gestação ou o uso de piriproxifem na casa.

É mentira, Terta? - Fazendo cover

Um grande número de aves são conhecidas por seus cantos - muitas consideradas melodiosas. Um número menor, como várias espécies de papagaios e araras, são conhecidas por imitar sons ambientes.

Uma vocalização é mimética se: "o comportamento do receptor muda após perceber a semelhança entre acústica entre o imitador e o modelo, e essa mudança comportamental conferir vantagem adaptativa ao imitador" (Dalziell et al. 2015). Entre as diferentes vantagens atribuídas para diferentes espécies e situações incluem-se: evitação de predadores (recrutamento de membros do bando para afastar o perigo, dissuasão direta do predador, atração de outro predador), parasitismo (de ninho, cleptoparasitismo), forrageamento (atração de parceiros de forrageio, enganar as presas), exclusão de competidores interespecíficos e intraespecíficos, uso da imitação como sinal de qualidade, para armadilha sensorial, para acasalamento seletivo, criação da prole (ensinando a associar certos sons a situações como presença de predadores).

Uma imitadora particularmente impressionante é a ave-lira real (Menura novaehollandiae), da avifauna australiana, além de copiar o som de diversas aves nativas dos arredores, também é capaz de imitar sons como motores de carro e de moto-serra, entre outros. Basicamente um Michael Winslow de asas.



Acrocephalus palustris
Fonte: Wikimedia Commons.

A felosa palustre (Acrocephalus palustris), presente da Europa à ao sul da África, tem um cartel  respeitável de 212 espécies imitadas (99 na Europa e 113 na África) (Dowsett-Lemaire 1979).

Cada indivíduo, na média, é capaz de imitar cerca de 76 espécies. O recorde registrado é de 84 espécies imitadas por uma única ave. O que apresentou uma menor capacidade imitava 63 espécies.

Isso sem contar que cerca de 20% dos sons emitidos pela felosa palustre não tiveram a espécie original identificada (ao menos até esse levantamento de Dowsett-Lemaire).



A coruja buraqueira (Athene cunicularia) presente em todas as Américas produz um sibilo muito similar ao chocalhar da cascavel (Crotalus spp.), cujas áreas de distribuição se sobrepõe amplamente (Rowe & Coss 1986).

O som da coruja imitando a cascavel é capaz de deter esquilos terrestres (Spermophilus beecheyi douglasii) (em cujos buracos a coruja faz seu ninho) de populações que vivem em áreas com presença de cascavéis, mas não esquilos de populações de áreas em que não há presença da cobra. Então, parece ser similar o suficiente para que organismos que evitam as cascavéis também evitem as corujas quando fazem o som, podendo evitar também predadores como texugos, quatis ou guaxinins.

Quase nunca é fácil e nem sempre é possível testar-se com o devido rigor as hipóteses de caráter adaptativo dos sons imitados, mas é sempre interessante essa capacidade de se emitir sons - inatamente ou após aprendizado - normalmente associados a outras fontes.

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