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terça-feira, 21 de junho de 2016

Divagação científica - divulgando ciências cientificamente 25 (parte 1 de 2)

Lewandowsky et al. 2012 fazem uma revisão da literatura a respeito do processamento mental de dados inválidos (desinformações) e de por que muitas vezes eles persistem mesmo após correções; analisam ainda alternativas para o enfrentamento bem sucedido dessas desinformações.

Abaixo parte das minhas anotações desse artigo. Considero-o um dos mais úteis abordados até o momento nesta série sobre estudos científicos e acadêmicos da divulgação científica.

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Lewandowsky et al. 2012. Misinformation and its correction: continued influence and successful debiasing. Psychological Science in the Public Interest 13(3): 106-31. DOI  10.1177/1529100612451018.

Fontes de desinformação:
.boatos/lendas  e obras de ficção:
>excitação emocional aumenta propensão das pessoas a repassarem histórias, aquelas com conteúdos que provoquem desgosto, medo e felicidade são mais compartilhadas em redes sociais do que histórias neutras
>contato com uma desinformação em uma história de ficção aumenta a crença ilusória de conhecimento prévio: pessoas assumem que sabia e integra-a a seu conjunto de conhecimento prévio
.governos e políticos
>as pessoas estão conscientes de que há desinformação politicamente motivada na sociedade, mas, instadas a fornecerem exemplos específicos, falham em diferenciar informações corretas de errôneas
.interesses instituídos ('vested interests') e ONGs:
>corporações e grupos de interesses não-governamentais;
>agnogênese (Badford 2010): fabricação deliberada de desinformação
.mídia/meios de comunicação:
> mídia corporativa, mídias sociais;
>erros sistemáticos: 1) falta de tempo para apuração, urgência, 2) supersimplificação, interpretação errônea e sensacionalismo, 3) objetivo de apresentar uma história 'equilibrada'
>fragmentação da mídia ('media fractionation'): exposição seletiva, câmara de eco, ciberguetos, extremismo estratégico (angariar apoio de setores extremos, sem perder muito do de setores mais ao centro).

Avaliando a veracidade de uma declaração
Estratégias do receptor
A aceitação da informação como verdadeira é uma norma tácita na conversação diária;
A suspensão da crença é possível, mas isso exige um alto grau de atenção, implausibilidade considerável da mensagem ou alto grau de desconfiança em relação a ela.
Quando a pessoa avalia de modo consciente a veracidade de uma informação, ela tende a se concentrar em um conjunto limitado de características:
a) "A informação é compatível com aquilo em que creio?"
>Um dado tem mais probabilidade de ser assimilado quanto mais compatível com as coisas que alguém considera verdadeiras;
>Quando alguém confere um dado contra seus conhecimento prévios, o processo requer esforço ativo, motivação e recursos cognitivos;
>Um processo que requer menos esforço é por meio da experiência metacognitiva e de resposta afetiva ao novo dado;
>Dados inconsistentes com crenças prévias tendem a eliciar sentimentos negativos e serem processados com menor fluência;
b) "A história é coerente?"
>Dados são aceitos como verdadeiros se se encaixam bem em uma história mais ampla que confere sentido e coerência aos elementos individuais;
>Estratégia de avaliação mais usada quando dados individuais não podem ser examinados isoladamente por dependerem de outras peças relacionadas;
>Histórias coerentes são processadas mais facilmente do que as incoerentes;
c) "A informação provém de uma fonte confiável?"
>Quando não têm motivação, oportunidade ou expertise, as pessoas podem se valer da avaliação da confiabilidade da fonte;
>A força de persuasão de uma mensagem seja maior quanto maior a credibilidade e expertise percebida do comunicador;
> Mas mesmo fontes inconfiáveis podem ser bastante influentes: 1) insensibilidade aos sinais contextuais dependentes da credibilidade da fonte, 2) o núcleo da mensagem pode ser mais destacado do que a fonte;
>A simples repetição de um nome desconhecido leva à familiaridade para com este e aumento de sua credibilidade.
d) "Outras pessoas acreditam na informação?"
>exposição repetitiva pode levar a uma falsa impressão de consenso social;
>ignorância pluralística (diferença entre a prevalência real de uma crença na sociedade e o que o sujeito na sociedade acha que os outros pensam)/efeito do falso consenso

Efeito da influência continuada (continued influence effect)
Retratação (retraction) falha em eliminar influência da desinformação
>Modelo Wilkes & Leatherbarrow (1988) and Johnson & Seifert (1994) - narrativa de história reportada em tempo real com posterior retratação de desinformação alvo para o grupo teste (e sem alteração no grupo controle). E.g. incêndio em um armazém inicialmente reportado como causado por cilindro de gás e tinta a óleo guardados negligentemente em um armário; posteriormente é relatado que o armário, na verdade, estaria vazio; os participantes devem então responder a perguntas como 'o que causou a fumaça preta?'.
>Retratação raramente tem efeito de eliminar a dependência em dados errôneos, mesmo que as pessoas acreditem na retratação, a compreendam e dela se lembrem: no melhor dos casos, reduz em 50% a referência a desinformações;
>Correção reforçada como "cilindro de gás e tinta a óleo nunca estiveram na propriedade" *aumenta* o uso da desinformação na resposta ("efeito tiro pela culatra");
>Inclusão de elementos como explicação da origem da desinformação, p.e. "greve de caminhoneiros impediram a entrega dos itens", diminuiem o uso da desinformação, mas não o elimina.

Explicações possíveis para o efeito da influência continuada
a) Modelos mentais (mental models)
>Pessoas constroem modelos mentais de narrativas em andamento. P.e. A ('negligência') leva a B ('armazenamento impróprio de material inflamável') e B em conjunção com C ('falha elétrica') leva a D ('incêndio'); a retratação de um elemento central, no caso, B, cria uma lacuna no modelo, que deixa de fazer sentido; pessoas continuam a usar o elemento retratado B para completar o modelo.
b) Falha de recuperação (retrieval failure)
>1) confusão de fontes ou atribuição errônea: P.e. atribuir 'o incêndio foi causadoa por tinta' ao relatório final da polícia e não a relatos iniciais negados;
>2) falha do processo de monitoramento estratégico: entradas válidas e inválidas de memórias competem pela ativação automática, integração contextual requer processamento estratégico.
>3) perda de "etiqueta de negação" ("negation tag"): o processo de retratação é similar a se adicionar uma etiqueta "não" a um dado ("havia tinta a óleo e cilindros de gás - NÃO"), esse marcador pode ser perdido em algum momento; a retratação por sentenças afirmativas correspondentes pode ser mais eficiente quando isso é possível (p.e. "na verdade, ele é arrumado" em vez de "ele não é bagunceiro").
c) Fluência e familiaridade (fluency and familiarity)
>A experiência metacognitiva da fluência é usada na análise de informações reapresentadas sem um questionamento direto a respeito de seu valor de verdade;
>Enquanto os pensamentos fluem desimpedidamente as pessoas veem poucos motivos para questionar a veracidade da história;
>A retratação falha ao aumentar a familiaridade da desinformação por repeti-la direta ou indiretamente durante o processo de sua negação;
>Pessoas que leem folhetos do tipo mitos x fatos distinguem corretamente ambos imediatamente após a leitura, mas com o tempo acabam se lembrando das desinformações como fatos com mais frequência do que pessoas que não foram expostas a esses folhetos;
d) Reatância (reactance)
>Pessoas não gostam que lhes digam o que e como pensar; retratações particularmente fortes e de altas autoridades podem ser rejeitadas.

Correções diante de sistemas de crenças existentes
Visão de mundo (worldview)
>A visão de mundo ou ideologia pessoal podem afetar o modo como um dado ou história é recebida ou rejeitada, bem como a retratação desse dado ou história;
>Crenças pessoais facilitam a aquisição de desinformação em consonância com a atitude, podem aumentar a confiança na desinformação e imunizar contra a correção de crenças falsas;
Tiro pela culatra
>Efeito de tiro pela culatra ('backfire effect') ou de bumerangue ('boomerang') pode ocorrer se a retratação vai contra a visão de mundo do sujeito, pode fazer também com que não apenas a mensagem seja rejeitada como mensagens futuras da mesma fonte também o sejam;
>Isso pode acentuar 'polarização de crença' ('belief polarization'): a exposição à retratação aumenta a crença na desinformação dos que têm a visão de mundo ameaçada e diminui entre os que têm a visão de mundo reafirmada;
Domando a visão de mundo através de sua afirmação
>Retratações e eliminação de vieses podem ser facilitadas pela formulação em termos compatíveis com a visão de mundo das pessoas;
>Elas também são mais provavelmente aceitas quando acompanhadas por autoafirmação: permitir que as pessoas expressem seus valores básicos como parte do processo de correção.
Ceticismo
>Reduz a susceptibilidade à desinformação se faz as pessoas questionarem a origem dos dados ou da história que mais tarde se revelam falsos;
>Suspeição ou ceticismo em relação ao contexto geral leva a uma processamento mais acurado das informações;
>Garante também que informações corretas sejam reconhecidas acuradamente, i.e., não leva a um cinismo ou negacionismo generalizado;
>Mas o ceticismo só tem efeito se ativo durante a exposição à mensagem, se a retratação é apresentada após a aceitação da mensagem, a desinformação pode continuar.

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Na 2a. parte das anotações deste artigo, os modos eficientes para reduzir o impacto das desinformações.

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