Lives de Ciência

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domingo, 20 de novembro de 2016

Superlua contra o baixo astral: quando algo passa a ser super?

O multiempreendedor da divulgação científica brasileira (Scienceblogs Brasil, Sciencevlogs Brasil, BláBláLogia, Chopp comCiência...), Rafael Soares, perguntou:

O interesse popular pela 'superlua' ('supermoon') é relativamente novo (no Google Trends, surge a partir de 2011 - fig 1; no Google Ngram Viewer, não há registro de 1800 a 2000) para algo antigo. Muito antigo. É apenas a denominação da Lua cheia (ou nova) durante o perigeu - algo que ocorre praticamente uma vez por quadrimestre - e, mais especificamente, em sua maior aproximação no ano (em 2011 foi em 19/mar; em 2012, 06/mai; 2013, 23/jun; 2014, 10/ago; 2015, 28/set e 2016, 14/nov). (Nem sempre a Lua cheia - ou nova - irá ocorrer quando o satélite estiver em sua máxima aproximação da Terra, mas como colocam uma tolerância de 10% para mais ou para menos a frequência aumenta bastante.) Não é um termo científico (a expressão astronômica para denominar a Lua cheia ou nova durante o perigeu seria... bem Lua cheia ou nova de perigeu), aparentemente foi tomado de empréstimo da astromancia pela imprensa popular. (O interessante é que apesar de ser um fenômeno corriqueiro, esse interesse tem permitido o engajamento do público em ações de divulgação e educação obre a astronomia, p.e. alunos da ocupação da Escola Normal Superior da Universidade do Estado do Amazonas tiveram uma aula durante a observação do fenômeno em novembro agora com o pessoal do Clube de Astronomia da Universidade Federal do Amazonas.)

Figura 1. Registros de busca por 'supermoon' no Google. Fonte: Google Trends.


Figura 2. Variação do tamanho aparente da Lua.
O prof. Dulcidio Braz, em seu Física na Veia, explicou o aumento do tamanho aparente (Fig. 2) e do brilho com a aproximação da Lua (com uma rápida recapitulação de por que a Lua se aproxima da Terra a cada volta).

Isso a torna 'super'? Claro que depende amplamente da subjetividade de cada um para considerar algo particularmente especial. Eu proponho que se denomine a um evento de fenômeno natural recorrente como particularmente destacado ('super') se a magnitude de algum parâmetro seu (no caso da Lua, proximidade, tamanho e brilho) for de ocorrência particularmente rara (acima ou abaixo de 3 desvios padrões em relação aos valores médios e com frequência esparsa - concedo aqui, que ocorra no máximo uma vez ao ano - embora minha inclinação seja para, no máximo, uma vez no tempo médio de vida de uma pessoa).

A 'superlua' atende ao critério de ocorrer no máximo uma vez por ano (ocorre aproximadamente uma vez a cada 14 meses). Mas o quanto difere das demais 12 ou 13 luas em perigeu no mesmo ano? Pegando os valores calculados para os perigeus de 2001 a 2100, a média das menores distâncias em um ano é de 356.848,23 km (com DP de 248,82 km); 1,58% menor do que a média das distâncias de perigeu no período é de 362.564,4(±4.517,45) km: um valor apenas 2 DP abaixo (Fig 3).

Figura 3. Distribuição das distâncias Terra-Lua em perigeu para o período de 2001 a 2100. (Em amarelo, a faixa da distância correspondente à 'superlua' de novembro de 2016.) Fonte: Astropixels

Como a distribuição é bimodal com concentração em torno dos valores extremos, na verdade é relativamente mais rara a ocorrência de perigeu com distâncias próximas à média. Se o critério fosse apenas raridade, uma 'superlua' seria uma 'superlua média' - apenas 0,06% dos perigeus entre 2001 e 2100 ocorrem entre 362.500 e 362.600 km de distância da Terra (uma vez a cada 12 a 13 anos em média). Em comparação 4,52% dos perigeus ocorrem abaixo da média das 'superluas' (uma vez a cada ano e meio). (O principal fator da variação das distâncias de apogeu e perigeu é a variação da excentricidade da órbita lunar. E o principal fator da excentricidade lunar é a maré solar: seu efeito é maior quando o sistema Terra-Lua está alinhado com Sol. Isso ocorre exatamente nas fases de Lua cheia - quando a Lua está no lado oposto ao Sol - ou nova - quando está do mesmo lado.)

E uma superlua de distância tão baixa como a deste ano? A imprensa destacou que desde 1948 a Lua não se aproximava tanto assim da Terra. No período de 2001 a 2100, 8 episódios de superlua tão extremos ou mais quanto o deste ano devem ocorrer (incluindo a de 2016), uma média de um a cada 12,5 anos (Fig. 4a,b). Mas também a menos de 2DP da média.

a)
b)
Figura 4. a) Variação do apogeu e perigeu lunar entre 2001 e 2100. b) Variação inferior do perigeu lunar. Linha horizontal pontilhada, distância do perigeu de nov/2016. Fonte: Astropixels

XKCD

Isso torna ou não a Lua super? Como argumentei lá em cima, fica a gosto do freguês.

Mas, em um sentido, a Lua é 'super' independente de se cheia, nova ou em perigeu. Afinal ela é mais possante do que uma locomotiva (nosso satélite tem uma energia cinética de 3,8.10^28 J; a maior velocidade obtida por um carro sobre trilhos - propulsionado por foguete - foi de 2.736,8 m/s, se tal velocidade pudesse ser desempenhada por uma composição como o BHP Billiton de cerca de 100.000 t, isso daria 3,7.10^14 J), capaz de saltar mais alto do que um arranha-céu (não apenas porque arranha-céus não pulam; a inclinação da órbita lunar em relação ao equador terrestre varia de 18,28° a 28,58°, com um raio médio da órbita de 384.400 km, isso corresponde a uma variação de altura de cerca de 70 mil km, mais de 84.000 vezes a altura do Burj Khalifa em Dubai, EAU) e de voar mais rápido do que uma bala (sua velocidade orbital média de 1.022 m/s é maior do que a de muitas balas - ainda que não de todas).

Veja também:
De Athenaa Trinity Cientistas Feministas (17/nov/2016): Super Lua, sim! Mas pera lá.

domingo, 13 de novembro de 2016

Blogues acadêmicos

A maior parte dos blogues de divulgação científica historicamente tem sido criada e mantida por iniciativas independentes. Alguns têm se reunido em condomínios como os ScienceBlogs* Brasil, havendo projetos ancorados em veículos tradicionais de divulgação como a National Geographic* e a Nature (que deu origem ao Scilogs*).

Uma outra fase parece se delinear com a entrada dos blogues acadêmicos - blogues de ciências mantidos por instituições acadêmicas e universidades. Ela não substitui, claro, os blogues independentes e os associados em condomínios de blogues (estes independentes ou coligados com empresas de comunicação científica). Interessante essa institucionalização tardia justo num momento em que os blogues de ciências parecem estar em crise - de um lado parece refletir o conservadorismo acadêmico, frequentemente demorando para adotar novas mídias; mas, de outro, pode ser um incentivo para a superação dessa crise. A se ver.

A lista abaixo não é completa - bem longe disso -, mas será atualizada com novas entradas futuramente. (A data de origem, quando não explicitada na página dos projetos, foi obtida pela entrada mais antiga no Internet Archive - o que pode gerar alguma incerteza. As informações sobre as estatísticas de visitação são as fornecidas nas páginas dos serviços - exceto no caso do Blogs da Unicamp.)

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Harvard Blogs
Os Harvard Blogs são compostos por cerca de 900 blogues (com 200 ativos) mantidos por alunos, ex-alunos, professores e funcionários. São mais de 700 mil visitantes por mês. O serviço está ativo desde 2003.

Newcastle University Blogs
Com 237 blogues entre ativos e inativos (chegou a ter 1.026 blogues!), certamente o Newcastle University Blogs figura entre os maiores condomínios acadêmicos. Como é aberto tanto para professores e pesquisadores quanto para alunos da universidade, provavelmente a maior parte dos blogues sejam de alunos (ou ex-alunos). Está no ar desde 2007 - embora o blogue mais antigo no diretório atualmente seja de 2012.


BLOGIPALVELUT "Helsingin yliopiston blogit ja blogipalvelut" (Serviço de blogues "Universidade de Helsinque, blogues e serviço de blogues")
Blogipalvelut da Universidade de Helsinque consiste de 289 blogues (entre ativos e inativos) mantidos pelo staff da universidade e alunos desde 2007.

Stellenbosch University’s Blog Service
Mantidos por professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação, os 11 blogues do Stellenbosch University’s Blog Service são voltados para a comunicação sobre temas acadêmicos e institucionais desde 2008.

LSE Blogs "Expert analysis & debate from LSE"
Os LSE Blogs, criados em 2010, são blogues mantidos por pesquisadores da London School of Economics and Political Science (que conta também com contribuição de alunos e convidados especiais). Têm um alcance de 70.000 visitantes semanais distribuídos em 60 blogues ativos (são mais 10 inativos mantidos em arquivo).

University of Sidney BLOGS
Mantidos, desde 2010, exclusivamente por pesquisadores da instituição, os BLOGS da Sydney Uni são compostos por 23 blogues ativos (26 arquivados).

University of Nottingham Blogs
Os University of Nottingham Blogs são compostos por 92 blogues ativos e 13 arquivados. A iniciativa começou em 2011.

Chapman University Blogs
24 blogues ativos compõe os Chapman University Blogs. Os blogues são mantidos por alunos e professores da universidade desde 2012.

Wits Blogs "A collection of Blogs written by Wits Staff"
Os Wits Blogs são compostos por apenas 2 blogues ativos dos servidores da University of the Witwatersrand - um do vice-chanceler da universidade e outro que funciona como página institucional da faculdade de direito. O serviço parece ter se iniciado em 2013.


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Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas
Os Blogs da Unicamp foram criados em 2015 e são mantidos por professores, pesquisadores e pós-graduandos da universidade. São 23 blogues ativos (e um número maior de blogues em gestação) que contam juntos com cerca de 5.000 visitantes por mês.

UFABC Divulga Ciência
O Divulga Ciência foi criado em 2017 e reformulado em 2018 com base no modelo estabelecido pelo Blogs da Unicamp. Professores, alunos e funcionários contribuem com um blogue único de atualizações semanais.
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*Upideite(13/nov/2016): links adidos a esta data.

domingo, 6 de novembro de 2016

A publicação científica deve ter como meta ser amplamente lida?

O texto do teólogo e filósofo americano Daniel Lattier no Intellectual Takeout "Why professors are writting cr*p that nobody reads" (asterisco por minha parte) parece ter tido uma boa acolhida entre os cientófilos nas mídias sociais sendo bastante compartilhado. O filósofo Pablo Ortellado em seu perfil no facebook, diz: "Precisamos publicar menos e não mais, como nos mandam as agências e os programas de pós-graduação. E, sobretudo, precisamos publicar coisas úteis e relevantes".

Um dos primeiros a levantar um "peralá, é isso mesmo?" que eu vi, foi o biólogo Carlos Hotta, do Apatoss... "Brontossauros em Meu Jardim", em seu perfil no facebook. "Por que vocês escrevem tantos posts no Facebook se ninguém lê?", se pergunta.

Eu acho que Lattier tem um ponto, mas que Hotta também tem. De um lado, temos que notar o "cr*p" na crítica do filósofo americano. Estudos com metodologias ruins, que em nada contribuem com as ciências estão sendo publicados em grande quantidade - a maior parte dos diagnósticos apontam para a pressão do "publish or perish"como a causa principal desse estado de coisas. Mas, nesse ponto, *ainda bem* que tais estudos são pouco lidos e menos ainda citados.

Só que, pelo que podemos saber, a taxa de leitura e, pior, o índice de citação *não* é um indicador de qualidade. (Um recente trabalho conclui que grande parte do impacto de uma publicação depende do puro acaso, ainda que não apenas dele.)

Então, ok, trabalhos que são "porcarias" devam ser desincentivados. Mas será que, se fizemos os melhores esforços para aplicar metodologia correta e realizar um trabalho bem feito, devemos nos preocupar se o artigo resultante será ou não lido por muitos outros pesquisadores para decidir pela publicação?

Aqui o ponto do Hotta. Sim, muitas publicações são pagas - ou pelos autores ou pelos assinantes -, então há, de fato, algo a ser pensado a respeito de se vale a pena ou não publicar pensando no alcance potencial. Mas há vários lugares em que se pode publicar a baixo custo ou a nenhum - em repositórios pessoais e arquivos de pré-publicações, p.e.

Porém publicar pensando apenas no "impacto" potencial que o artigo poderá ter é problemático. Um aspecto a consideramos é o chamado efeito "Bela Adormecida", em que certos artigos são ignorados por décadas até que subitamente são redescobertos e passam a ser amplamente citados. Outro é que mesmo se um artigo é pouco lido, ele pode ter um impacto maior - por exemplo, se ele tiver sido usado em uma revisão ou em uma meta-análise. E, em um campo especializado, um universo de 10 leitores pode ser bem representativo de uma fração significativa ou até a totalidade do público a ser atingido.

Na atualização do Hotta, o químico Luís Brudna, do Tabela Periódica, lembra ainda que I.A.s como o Watson poderão fazer a varredura automática dos artigos buscando alguma referência obscura pouco conhecida que poderá ser de importância vital no diagnóstico de uma doença rara igualmente obscura e pouco conhecida - ou uma versão mais rara de uma doença mais comum.

Nesse sentido, a baixa taxa de leitura é lamentável, mas não deve ser uma barreira para a publicação - do contrário seria o incentivo para tornar um artigo artificialmente "sexy", forçar a barra para torná-lo mais atrativo para uma audiência mais ampla (o equivalente ao caça-clique no mundo científico, ou o próprio caça-clique, já que a maioria dos trabalhos estão online): numa palavra "sensacionalismo". Seria, antes, um chamado para um esforço de garimpagem de artigos relevantes que estão abandonados a traças eletrônicas.

E ainda há esforços para evitar o "efeito gaveta" ou "efeito de arquivo" das publicações e o excesso de resultados positivos, por se deixar de publicar os negativos.

Então, meu grau de concordância com o artigo de Lattier depende do ponto que se enfatiza.
a) "Não publicar artigos irrelevantes": ok;
b) "Resistir ao publish or perish e não fatiar os resultados ('salami science') em vários artigos menores": ok;
c) "Pensar em artigos que possam atrair mais leitores": hmmm, acho que não é tão vital assim, pode ser um objetivo secundário;
d) "A baixa taxa de leitura mostra que a maioria da ciência produzida é irrelevante": de modo algum, há vários motivos por que artigos bons permanecem pouco conhecidos (o periódico pode ser pouco conhecido, a língua da publicação ser usada por uma fração restrita de pesquisadores, a comunidade de especialistas ser reduzida, preconceito, a comunidade ter falhado em compreender a importância do artigo, por simples casualidade o artigo não chamou a atenção...).

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